Após a demissão de Moro pela manhã, o Presidente Bolsonaro fez à tarde, do mesmo dia, seu pronunciamento. Foram duas partes: uma primeira livre e improvisada e, na segunda, a leitura de um texto. O míssil de Moro merecia resposta.
Já no final da primeira parte da fala, Bolsonaro afirmou ter, com ele, um texto de apenas três páginas e que leria. Penso que o melhor teria sido apenas aquela leitura. Ou seja: quanto mais se fala, mais se abre à crítica e à análise de seu discurso. Assim, Bolsonaro iniciou lembrando o primeiro contato que teve com Moro, quando foi ao encontro do então juiz e que, na ocasião, foi ignorado, pois era um humilde parlamentar. Afirmou não guardar mágoas, mas, se precisou afirmar, é porque tem um “pote cheio de mágoas”. Continuou seu pronunciamento sempre mesclando um tom emotivo e a lembrança de seu poder como chefe do Executivo, podendo nomear e exonerar ministros e, também se quisesse, a diretoria da Polícia Federal. Tudo certo, aqui. Todavia, Bolsonaro inseriu em sua fala seu hercúleo trabalho de lutar contra o establishment político, tendo, contra si, o “sistema” e grandes interesses econômicos; não deixou, também, de apontar para a imprensa que nunca deu trégua a ele e à família.
Depois, numa sequência de lembranças trouxe à tona o aquecedor da piscina no Palácio do Planalto, os cartões corporativos, o assassinato de Marielle, o porteiro do condomínio, o próprio filho que teria saído (namorado) com metade das meninas do condomínio, o Adélio Bispo, falou da avó de sua esposa e, ainda, da sogra, que teria cometido falsidade ideológica, falou da amizade e dos empréstimos ao Queiroz, do Inmetro, dos tacógrafos e taxímetros, enfim, personagens ou temas que se ligam ou assombram a vida do presidente. Momento crucial: acusação direta a Moro e que foi, segundo Bolsonaro, uma fala num café da manhã com alguns deputados e que saberiam, hoje, quem não o queria na cadeira presidencial e que essa figura não estaria no parlamento ou no Judiciário. Mais ainda: Bolsonaro asseverou que, na conversa do dia anterior com Moro, o ministro havia sugerido trocar Maurício Valeixo, Diretor-Geral da PF, apenas em novembro após ser indicado para uma vaga no STF. Bolsonaro sentiu-se atacado em sua honra por Moro, pois este afirmou que aquele havia mentido sobre a exoneração a pedido por Valeixo. E, após pronunciamento de Bolsonaro, Moro já foi às redes sociais afirmando que “a permanência do Diretor Geral da PF, Mauricio Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF”. Doravante, termos uma guerra de narrativas de ambos: bolsonaristas de um lado e moristas e lajatistas de outro.
O pronunciamento de Bolsonaro era inevitável, mas poderia ter sido sem a primeira parte. Não se reaviva a memória de adversários e da mídia com temas sem conexão direta com Moro, ainda que seja para desviar a atenção. O Procurador Geral da República já pediu investigação acerca da fala de Moro e da conduta do presidente. Avolumam-se os pedidos de renúncia ou de processos de impeachment. Bolsonaro que construiu um discurso de ataque à “velha política” terá em sua defesa partidos do Centrão, Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto? Como fica a relação entre discurso e prática para os bolsonaristas raiz? Como lidarão com isso? O Centrão buscará, com fisiologismo, cargos e recursos e, sentido água entrar, abandonará o barco ou dará um abraço de afogado no presidente. Veremos como reagirão os atores sociais e as instituições da república doravante.
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.